No Brasil, foram registrados mais de 381 mil casos do vírus da imunodeficiência humana (HIV) de 2007 a junho de 2021. Apenas em 2020, 32.701 novos casos foram diagnosticados. Para entender este cenário, anualmente, um ranking nacional composto por unidades federativas e municípios brasileiros é divulgado pelo Ministério da Saúde. Na construção deste rastreamento, são consideradas as notificações encaminhadas ao Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), que permite determinar taxas de detecção, mortalidade e até mesmo de gestantes infectadas pelo vírus, conhecido por causar a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids).
No boletim epidemiológico deste ano, dos 20 primeiros lugares do ranking que considera as cidades com mais de 100 mil habitantes, sete foram ocupados por municípios do Rio Grande do Sul. Entre eles, está Santa Maria, que volta a ocupar a 10ª posição na lista após sete anos. Os fatores que contribuem para a mudança de posição, em um município no qual 2,5 mil pessoas vivem com o vírus, são muitos e vão desde uma possível demanda reprimida por conta da pandemia de Covid-19 até a conscientização e utilização dos serviços de testagem na rede pública de saúde.
O que é HIV?
Em entrevista à Rádio CDN, a coordenadora da Política de HIV/Aids, IST’s e Hepatites Virais, Marcia de Lima, explicou como o vírus age no organismo:
– Esse vírus ataca justamente o sistema de defesa do corpo, em específico o CD4. Ele ataca e multiplica. No momento em que o paciente tem esse vírus no corpo e não realiza o tratamento, esse vírus fica em potencial para contaminar outras pessoas de diversas formas. Ela pode passar (o vírus) por meio da relação sexual e compartilhamento de material perfurocortante. No caso da gestante que tem o vírus, pode passar para o bebê.
Indetectável é intransmissível
Os avanços farmacêuticos têm permitido que pessoas que vivem com o vírus HIV, e se tratam de forma correta, tenham uma vida saudável.
– Os pacientes que têm o vírus do HIV e realizam o tratamento, ao tomar a medicação todos os dias, em até seis meses de tratamento regular, ficam indetectáveis. Para nós, indetectável é intransmissível. E isso é algo que as pesquisas asseguram e realmente vemos na clínica. Mas, é preciso ter este hábito de tomar a medicação – comenta Marcia.
Entenda o cenário
Em 2015, Santa Maria chegou a ocupar a 10ª posição no ranking nacional de HIV, porém o cenário passou por mudanças. Em 2016, o município caiu para o 71º lugar, mas o número de casos ainda apresentava aumento. Antes da pandemia, Santa Maria conseguiu se manter em posições consideradas baixas. Entretanto, voltou a subir nos últimos anos. Para Marcia, o aumento das notificações não está ligado um surto do vírus, mas sim a falta de investimento dos municípios na testagem, o que não possibilita o rastreamento:
– Outros municípios podem ter uma quantidade elevada e muito maior do que a nossa, só que os pacientes infelizmente não sabem que têm. E quando eles descobrirem, já estarão com as doenças oportunistas.Além disso, Marcia também argumenta sobre outras circunstâncias que podem ter contribuído para a mudança de posição da cidade na lista do Ministério da Saúde:
– O aumento das notificações pode ser um fator. Outro é a pandemia, na qual tivemos uma demanda reprimida. Muitas pessoas não saíram de casa em função do isolamento que tivemos neste período. Mas, isso não significa que elas não tinham a doença. Significa que elas não foram às unidades de saúde para fazer os exames.
A coordenadora da Política de HIV/Aids reitera que, durante o período de isolamento, autotestes de HIV foram disponibilizados aos usuários do SUS em unidades de saúde.
– Os números altos não significam necessariamente que as pessoas estão se contaminando mais, mas sim que elas estão procurando os serviços e fazendo parte deste rastreamento. Claro que temos contaminação. Ela existe. Santa Maria tem uma média de 2,5 mil pessoas que têm o vírus. Deste número, em torno de 800 pessoas não estão fazendo o tratamento. No caso de uma relação sexual desprotegida, quem não se trata, pode contaminar outras pessoas. Então, sempre frisamos a importância do uso de preservativo – afirma Marcia.
Em Santa Maria, testes rápidos são disponibilizados em todas as unidades de saúde, além da Casa Treze de Maio, localizada no Bairro Centro. O resultado sai em, no máximo, 15 minutos.
Casa Treze de Maio: assistência e acolhimento
Foto: Nathália Scheider (Diário)
A Casa Treze de Maio é referência em assistência e acolhimento a pessoas soropositivas. Atualmente, o espaço localizado na esquina das ruas Riachuelo e Pinheiro Machado oferta testagem de HIV, sífilis, hepatite B e C, além de assistência especializada, medicação e insumos contra Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs).
– Qualquer pessoa com o diagnóstico de HIV, Hepatite B ou C pode nos procurar diretamente no serviço. Esta pessoa terá todo o acompanhamento da equipe multiprofissional, vai passar por um acolhimento, serão solicitados exames e realizados todos os encaminhamentos. A pessoa além de ter o acompanhamento com médico infectologista, terá todo o suporte da equipe multi. Além de vir até o serviço nos procurar, existe a possibilidade também de ocorrer o diagnóstico dentro da unidade básica e entrarem em contato conosco para agendar esse acolhimento – relata a enfermeira Julia Bresolin, que atua no local.
Além do tratamento para quem vive com HIV, outros dois tipos de medicamentos para quem não têm o vírus são disponibilizados pela Casa Treze de Maio atualmente. São eles: a Profilaxia Pós-Exposição (PEP), que é uma medida de urgência, e a Profilaxia Pré-Exposição (PreP), que é disponibilizada ao público no local desde outubro de 2020. No contexto atual, 220 usuários estão cadastrados para receber a PreP, garantindo também acompanhamento com médico infectologista e enfermeiro. Conforme Júlia, a população inicial prevista pelo Ministério da Saúde para receber este tratamento mudou com o passar do tempo:
– Anteriormente, só poderiam utilizar PreP homens gays, homens que fazem sexo com homens e não se consideram gays, profissionais do sexo e casal sorodiferente. Com a nova atualização, qualquer pessoa com vida sexual ativa e que tem interesse em utilizar a PreP pode, considerando homens e mulheres heterossexuais, por exemplo.
Para os próximos anos, a ideia é garantir que o tratamento chegue também até mais pessoas, descentralizando o serviço que atualmente está disponível no centro da cidade.
– Hoje, as pessoas que procuram por esse tratamento são normalmente brancas, com um bom nível socioeconômico e residem no centro ou no Bairro Camobi. Então, o nosso objetivo também é chegar na população das periferias, a população mais vulnerável, profissionais do sexo e mulheres trans – explica a profissional.
Acolhimento
Julia, que conhece tantas histórias e participa da rotina de todos os pacientes que entram no local, diz que a empatia é essencial para acolher o usuário, ouvir as demandas e saber até que ponto ele entende ou o que sabe sobre o HIV. Ela ainda reitera que existem pessoas que chegam até o local com um bom nível de conhecimento, sabendo como funciona o tratamento, e outras ainda têm a ideia de que o HIV é um decreto de morte. Para ela, a forma como o vírus ainda é retratado pode contribuir também para que o paciente desista do tratamento:
– São diversos fatores. Dentre eles, a questão da vulnerabilidade. A pessoa precisa vir até o serviço, realizar consultas semestrais, exames e todo esse acompanhamento que é uma rotina. Tem os fatores socioeconômicos de uma maneira geral e também de negação do diagnóstico, porque a pessoa, pelo fato de procurar o serviço, lembra que tem HIV. O fato de usar o medicamento também a lembra que tem o vírus. Então, (desistir do tratamento) se torna uma forma de esquecer. Infelizmente, isso traz consequências graves, porque hoje quem faz o tratamento corretamente tem saúde e qualidade de vida. Quem não trata, pode adoecer.
Para ser atendido na Casa Treze de Maio, basta apresentar o cartão do SUS, documento de identidade e comprovantede residência.
Serviço
Horário de funcionamento – De segunda a sexta-feira, das 7h30min às 11h30min e das 13h às 16h30min, com exceção de quarta-feira pela manhã, quando ocorre expediente internoHorário de testagens – De segunda a sexta-feira, das 7h30min às 10h30min e das 13h às 15h30min, com exceção de quarta-feira pela manhãEndereço – Rua Riachuelo, 364, Bairro CentroDocumentos necessários – Cartão do SUS, documento de identidade e comprovante de residênciaEquipe composta por enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, farmacêutico, técnico em Enfermagem, médicos infectologistas, auxiliares de laboratórios e administrativos, além de residentes e acadêmicos de Enfermagem e PsicologiaTelefones para contato – (55) 3921-1263 e (55) 3921-7291 (farmácia)E-mail – casatreze364@01425019056
Desfazendo preconceitos
Profissionais reforçam que o vírus do HIV não é transmitido a partir de:
AbraçosLágrimasSalivaBanho de piscinaCompartilhamento de copos, talheres, pratos e outros itensRelações sexuais com preservativos
Principais métodos de prevenção
Ao se relacionar sexualmente, use preservativo feminino ou masculino corretamenteNão compartilhe seringasFaça testagem e/ou a adesão ao tratamento (PreP)
O QUE É A PROFILAXIA PÓS-EXPOSIÇÃO (PEP)?
É um medicamento para uso em duas até 72 horas após a exposição ao vírus do HIVPode ser usado, no máximo, duas vezes ao ano
É utilizado em casos de:
Relações sexuais sem preservativosRompimento do preservativo feminino ou masculinoAcidente com material perfurocortanteViolência Sexual
Em quais locais de Santa Maria pode ser encontrado?
Casa Treze de MaioPronto-Atendimento Municipal (PAM)Unidade de Pronto-Atendimento 24h (UPA)Pronto-Atendimento Ruben NoalHusm (em casos de violência sexual)
O QUE É A PROFILAXIA PRÉ-EXPOSIÇÃO (PreP)?
É um medicamento de uso diário que impede que vírus do HIV infecte o organismo antes de uma possível exposição
Como funciona?
A Prep é a combinação de dois medicamentos: tenofovir e entricitabina, que juntos bloqueiam a infecção. Cada frasco conta com 30 comprimidosÉ recomendado um comprimido por dia, sendo que apenas com as doses diárias a proteção será maiorAo iniciar com a medicação, será necessário fazer acompanhamento com um profissionalSerá necessário também fazer teste de HIV e outros exames a cada quatro meses
Efeitos da Prep
Começa a fazer efeito após 7 dias em casos de relação anal e em 20 dias em relação vaginal
Para quem é indicado?
Para todas as pessoas com vida sexual ativa ou expostas a riscos.Antes da atualização, o Ministério de Saúde ainda considerava outros grupos na lista com maiores chances de entrar em contato com o vírus:Pessoas transPessoas privadas de liberdadeGays e homens que fazem sexo com homensUsuários de álcool e outras drogasProfissionais do sexo
Em quais locais de Santa Maria pode ser feito o tratamento?
Casa Treze de MaioESF Bela União (para usuários do território)
Cuidados
A Prep não protege contra outras ISTs como sífilis, gonorreia e clamídia. Por isso, é recomendado o uso de camisinha nas relações sexuais
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